Chegou à terceira porta e tateou em volta durante bastante tempo até que seus dedos roçaram
num pequeno gancho de ferro instalado entre duas pedras. Quando o puxou para baixo, ouviu-se
um ruído surdo e fraco, que no silêncio pareceu o estrondo de uma avalanche, e um quadrado de
tênue luz alaranjada abriu-se trinta centímetros à sua esquerda.
A lareira! Quase riu. A lareira estava cheia de cinzas quentes e tinha uma tora negra com um
quente coração alaranjado ardendo por dentro. Atravessou cautelosamente, dando passos rápidos
para não queimar as botas, esmagando suavemente as cinzas quentes debaixo dos calcanhares,
Quando deu por si naquilo que antes havia sido o seu quarto, ficou imóvel por um longo momento,
bebendo o silêncio. Teria o pai ouvido? Estenderia a mão para a espada e daria o alarme?
- Senhor? - chamou uma voz de mulher.
Isso poderia ter me machucado em outros tempos, quando ainda sentia dor. O primeiro passo foi
o mais duro. Quando chegou à cama, Tyrion afastou as cortinas e ali estava ela, virando-se para
ele com um sorriso sonolento nos lábios. Morreu quando viu Tyrion. A moça puxou os cobertores
até o queixo, como se isso a protegesse.
- Estava à espera de alguém mais alto, querida?
Grandes lágrimas molhadas encheram os olhos dela.
- Eu não queria dizer aquelas coisas, a rainha obrigou-me. Por favor. Seu pai assusta - -me
tanto. - Sentou-se, deixando o cobertor deslizar até o colo. Por baixo encontrava-se nua, exceto
pela corrente que trazia à garganta. Uma corrente de mãos de ouro ligadas, cada uma segurando
na seguinte,
- Minha senhora Shae - disse Tyrion em voz baixa. - Todo o tempo que fiquei na cela negra
esperando morrer, não parava de me lembrar de sua beleza. Vestida de seda ou tecido grosseiro,
ou de coisa nenhuma...
- O senhor deve estar de volta daqui a pouco. Você devia ir, ou.., veio me levar?
- Alguma vez gostou? - envolveu-lhe o rosto com as mãos, lembrando-se de todas as vezes que
tinha feito isso. De todas as vezes que tinha deslizado as mãos em torno da cintura dela, apertado
seus pequenos e firmes seios, afagado seus curtos cabelos escuros, tocado seus lábios,
bochechas, orelhas. De todas as vezes que a abrira com um dedo para sondar a sua doçura
secreta e fazê-la gemer. - Alguma vez gostou do meu toque?
- Mais do que tudo - disse ela -, meu gigante de Lannister.
Essa foi a pior coisa que poderia ter dito, querida.
Tyrion enfiou uma mão por baixo da corrente do pai, e torceu. Os elos apertaram-se,
enterrando-se no pescoço dela.
- Porque mãos de ouro são sempre frias, mas há calor em mãos de mulher - disse.
Deu às mãos frias outra torção enquanto as quentes batiam nele, limpando-lhe as
lágrimas.
maça com cabeça de leão, uma alabarda e uma besta tinham sido penduradas nas paredes. A
alabarda seria uma arma incômoda de usar dentro de um castelo, e a maça pendurada em um
lugar alto demais para que ele a alcançasse, mas um grande baú de madeira e ferro tinha sido
encostado à parede logo abaixo da besta. Subiu no baú, pegou a besta e uma aljava de couro
repleta de dardos, enfiou um pé no estribo e puxou-o para baixo até que a corda do arco
engatilhou. Então enfiou um dardo na ranhura.
Jaime tinha lhe dado mais do que um sermão acerca das desvantagens das bestas. Se Lum e
Lester surgissem de onde quer que estivessem conversando, nunca teria tempo de recarregar,
mas pelo menos levaria um para o inferno consigo. Lum, se pudesse escolher. Vai ter de limpar
você mesmo a cota de malha, Lum. Perdeu.
Bamboleando-se até a porta, escutou por um momento, após o que a abriu lentamente. Uma
lâmpada ardia num nicho de pedra, lançando uma pálida luz amarela sobre o corredor. Só a chama
se movia. Tyrion deslizou para fora do quarto, mantendo a besta abaixada, encostada à perna.
Foi encontrar o pai onde sabia que o encontraria, sentado nas sombras do poço das latrinas,
com o roupão enrolado em volta dos quadris. Ao ouvir o som de passos, Lorde Tywin ergueu os
olhos.
Tyrion concedeu-lhe uma meia reverência trocista.
- Senhor.
- Tyrion. - Se estava assustado, Tywin Lannister não mostrou qualquer sinal. - Quem o libertou
de sua cela?
- Adoraria dizer, mas prestei um juramento sagrado.
- O eunuco - decidiu o pai. - Isto vai custar a cabeça dele. Essa é a minha besta? Aponte-a para
baixo,
- Vai me punir se eu me recusar, pai?
- Esta fuga é uma loucura. Não vai ser morto, se é isso que teme, Ainda é minha intenção
enviá-lo para a Muralha, mas não podia fazer isso sem o consentimento de Lorde Tyrell. Abaixe a
besta, e vamos até os meus aposentos conversar.
- Podemos perfeitamente conversar aqui. Talvez eu não queira ir para a Muralha, pai. Faz um
frio dos diabos lá em cima, e creio que já agüentei frio suficiente vindo do senhor. Por isso, diga-me
uma coisa, e eu vou embora. Uma simples pergunta, deve-me isso.
- Não lhe devo nada.
- Deu-me menos do que isso, toda a minha vida, mas isso vai me dar. O que fez com Tysha?
- Tysha?
Ele nem sequer se lembra do nome dela.
- A garota com quem me casei,
- Ah, sim. A sua primeira puta.
Tyrion apontou para o peito do pai.
- Da próxima vez que disser essa palavra, mato-o.
- Não tem coragem suficiente.
- Vamos descobrir? E uma palavra curta, e parece vir tão facilmente aos seus lábios. - Tyrion fez
um gesto impaciente com a besta. - Tysha. O que fez com ela, depois de minha Iiçãozinha?
- Não me lembro.
- Tente com mais força. Mandou matá-la?
O pai franziu os lábios.
- Não havia motivo para isso, ela já tinha aprendido qual era o lugar dela... e foi bem paga pelo
trabalho do dia, se bem me lembro. Suponho que o intendente a tenha mandado embora. Nunca
pensei em perguntar.
- Mandado embora para onde?
- Para onde quer que as putas vão.
O dedo de Tyrion apertou-se. A besta soltou um uang exatamente no momento em que Lorde
Tywin começava a se levantar. O dardo atingiu-o acima da virilha e ele voltou a se sentar com um
gemido. O dardo penetrou profundamente, bem até as penas, Sangue jorrou ao redor da haste,
pingando sobre os pelos púbicos e as coxas nuas de Lorde Tywin.
- Atirou em mim - disse ele, incrédulo, com os olhos vidrados, em choque.
- Sempre foi rápido em compreender as situações, senhor - disse Tyrion. - Deve ser por isso que
é Mão do Rei.
- Você... não é... não é meu filho.
- E justamente aí que se engana, pai. Ora, eu creio que sou você em letra pequena. E agora
faça-me a bondade de morrer depressa. Tenho um navio para alcançar.
Por uma vez, o pai fez o que Tyrion lhe pediu. A prova foi o súbito fedor, quando suas tripas se
soltaram no momento da morte. Bem, estava no lugar certo para isso, pensou Tyrion. Mas o fedor
que encheu a latrina forneceu ampla evidência de que a freqüentemente repetida piada a respeito
de seu pai era apenas mais uma mentira.
No fim das contas, Lorde Tywin Lannister não cagava ouro.
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